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Desde muito cedo que a humanidade se deixou calendarizar por ciclos, conhecimento empírico que lhe permitiu moldar a sua organização, cultura, fé e sobrevivência. As estações do ano, outrora conhecidas pelo seu ritmo equilibrado, são hoje balizas temporais imprevisíveis, consequência de um sistema climático em transformação.

No Hemisfério Norte, o inverno corresponde aos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, e traduz-se numa queda acentuada das temperaturas, acompanhada de precipitação, ventos fortes e, em várias regiões, neve. Foi nesta conjuntura climatérica cíclica que o setor do turismo encontrou uma oportunidade. A neve, que para muitas comunidades representava um desafio, passou a ser encarada como um importante atrativo turístico, capaz de atrair milhões de visitante anualmente e, assim, reforçar as economias locais.

Estações de esqui e snowboard, spas termais e chalés de montanha consolidaram-se serviços turísticos de eleição para aqueles que procuravam adrenalina e, também, tranquilidade durante as celebrações do Natal e inícios de ano.

Será difícil precisar uma data para o surgimento deste segmento, talvez o século XIX se destaque como o marco mais consensual, tendo os Alpes assumido um papel de destaque, impulsionado pela visão empreendedora de hoteleiros e pelo apoio da elite europeia.

Atualmente, este segmento enfrenta desafios operacionais significativos, devido à subida das temperaturas médias globais e consecutiva diminuição da duração e intensidade dos momentos de queda de neve.

De acordo com um artigo do The Guardian, dos 21 locais que sediaram as Olimpíadas de Inverno, apenas 1 conseguiria realizá-las até o final do século, Sapporo, no Japão. Será importante relembrar que as Olimpíadas de 2022, em Pequim, já foram realizadas com neve artificial.

Em várias regiões, a temporada de esqui tem iniciado mais tarde e findado mais cedo, reduzindo significativamente o período lucrativo dos operadores. Dois exemplos concretos dos desafios enfrentados pelo setor são o encerramento dos resorts “Alpe du Grand Serre” e “Grand Puy”, na França, em 2024, diretamente afetados pelas condições dos “novos invernos”, mais temperados. Um estudo desenvolvido pelo geógrafo Pierre Alexandre Metral, da Universidade de Grenoble, estima que 180 estações de esqui francesa tenham sido forçadas a fechar desde 1970.

Este padrão de declínio desvenda uma noção preocupante: à medida que as linhas de neve recuam, os resorts situados em cotas inferiores são os mais afetados. A oferta deste segmento pressupõe a garantia de neve que, atualmente, se concentra de forma mais consistente em pontos de maior altitude, onde predominam as estâncias de luxo. Consequentemente, os resorts situados em cotas inferiores perdem competitividade, revertendo, assim, o processo de democratização do segmento, iniciado em meados do século XX, conforme apresentado num artigo do The Guardian.

No entanto, a grande preocupação mundial não se limita à interrupção dos desportos de inverno, mas sim ao impacto negativo que a escassez de neve terá sobre os recursos hídricos, afetando o consumo individual, a agricultura e os ecossistemas naturais. Regiões caracterizadas pela presença constante de neve dependem do derretimento gradual para reabastecer rios e reservatórios. Perante este cenário, o setor tem procurado adaptar-se e implementar medidas que mitiguem os impactos ambientais e sociais, assegurando a continuidade das atividades de inverno, sem comprometer os recursos.

Neve Artificial: solução temporária ou um risco duradouro?

É do entendimento geral que a produção de neve artificial se tornou indispensável para muitas estâncias, causada pelo aumento gradual das temperaturas médias globais e escassez de neve natural.

No entanto, este processo é alvo de alguma controvérsia devido ao consumo intensivo de água e energia (aumento das emissões GEE), além dos seus impactes ambientais nos ecossistemas. A qualidade da neve artificial difere da neve natural, algo que pode alterar o comportamento hídrico na primavera, devido às suas propriedades.

De acordo com um relatório da Comissão Internacional para a Proteção dos Alpes (CIPRA), são necessários quase 1.000 litros de água para produzir apenas 2,5 metros cúbicos de neve artificial.

Ora, para mitigar esses impactes, muitas estações de esqui têm investido em tecnologias mais eficientes e adotar práticas sustentáveis:

Captação e reutilização de água

  • Muitos alojamentos estão a construir lagos e reservatórios artificiais para captar a água da chuva, ou do derretimento da neve.
  • Em algumas regiões, a água de esgoto é tratada e, posteriormente, usada para a produção de neve, com o intuito de reduzir a dependência de fontes naturais.

Energia Renovável

  • Verifica-se um esforço crescente na substituição das fontes de energia fósseis por energias renováveis, como solar, eólica e hídrica, de modo a alimentar os canhões de neve e sistemas de bombeamento.

Áreas Prioritárias

  • Para reduzir os impactes, a neve artificial está a ser concentrada em áreas de maior necessidade e maior procura.

A dependência exclusiva de neve artificial revela-se insustentável a longo prazo, dado o elevado custo sobre os recursos naturais e os seus impactos ambientais. É imperativo que a sua utilização seja complementada por outras estratégias, como a diversificação da oferta turística, diminuindo, assim, a dependência das atividades relacionadas com a neve, e implementação de práticas sustentáveis, em conjunto com uma gestão responsável dos recursos naturais.

A viabilidade deste segmento dependerá da sua capacidade de se adaptar aos ciclos naturais e encontrar o seu espaço, ciente de que os ecossistemas são sistemas dinâmicos e em constante mutação, da qual as atividades humanas dependem inteiramente.

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