A rotina frenética do dia-a-dia conduz o ser humano numa jornada monótona, na medida em que acaba por negligenciar os pequenos pormenores da sua existência, como interpretar as mensagens sensoriais. Este contexto intensificou-se com a digitalização das sociedades, onde o uso de determinados sentidos se foi tornando, involuntariamente, secundário.
De acordo com Harold McGee, um entusiasta da área, o olfato apresenta-se como um dos sentidos que mais é negligenciado, o que restringe, em grande parte, a forma como se observa e interpreta o meio envolvente, bem como a memória criada sobre o mesmo. Vários especialistas indicam que este sentido fomenta o despertar das memórias emocionais, devido à proximidade das estruturas cerebrais, responsáveis pela emoção e memória, com a região de processamento dos odores. Algo que comprova esta ideia é o facto de se associar os cheiros dos alimentos cozinhados, pelas mães e avós, ao conforto e segurança do lar, ou, por exemplo, a essência das fibras do papel de um livro, por estrear, que remetem para uma tarde de inverno junto a uma lareira.
Como escreveu Patrick Suskind, no livro “O Perfume”, “(…) as pessoas podiam fechar os olhos diante da grandeza, do assustador, da beleza, e podiam tapar os ouvidos diante da melodia ou das palavras sedutoras. Mas, não podiam escapar do aroma. Pois, o aroma é um irmão da respiração (…)”.
O setor do turismo, enquanto atividade económica promotora de experiências e emoções, encontra no olfato e na indústria dos cheiros uma oportunidade revolucionária de criar produtos turísticos que despertem a memória emocional dos visitantes e intensifiquem a sua conexão com o destino.
A verdade é que uma grande parte dos turistas já associa e reconhece determinados destinos pelos inconfundíveis aromas que são libertados nas paisagens locais, por exemplo:
- Grasse, na França, é conhecida como a capital do perfume, devido à sua paisagem floral e património botânico reconhecido por prestigiosos perfumistas.
- Em Marraquexe, o cheiro e tonalidade das especiarias é predominante em toda à parte;
- Nas ruas de Banguecoque, na Tailândia, encontra-se uma variedade de aromas que estimulam uma súbita vontade de provar todas as iguarias locais, resultado das infindáveis estruturas de restauração existentes.
- O Parque Nacional Kruger, na África do Sul, é um exemplo enriquecedor da essência da flora da savana e do cheiro único das terras africanas.
Contudo, recentemente, foram descobertas e testadas novas formas de recriar fragâncias e associá-las a atividades turísticas. Imagine-se a deambular por uma sala repleta de obras de Monet e, subitamente, ser invadido pelo perfume dos jardins representados nas suas pinturas. Hoje, este tipo de experiência já se encontra disponível em alguns dos melhores museus do mundo, que colaboram com empresas especializadas no estudo da preservação dos cheiros como elementos intangíveis do património cultural:
- O museu Ulm, na Alemanha, criou a exposição “Segue o teu Nariz”, uma forma inovadora de contar a história de cada obra de arte, a partir de difusores de perfume portáteis que replicam os aromas retratados em cada pintura.
- Também o Louvre, em Paris, lançou uma “rota” olfativa que contempla aromas de flores, frutas e tintas frescas, no âmbito da exposição “Coisas – Uma história da natureza morta desde a pré-história”.
- No museu del Prado, em Madrid, foram instalados ecrãs interativos e difusores carregados com 10 fragrâncias associadas aos elementos presentes na pintura “O Sentido do Cheiro”, concretizada por Jan Brueghel entre 1617 e 1618.
- O projeto “Farejadores da Cidade: Um passeio pelo cheiro da eco-história de Amesterdão” explora a essência da cidade através de caminhadas olfativas autoguiadas, promovidas pelo museu de Amesterdão. Este inclui um percurso histórico sobre a cidade e a partilha de um “mapa raspadinha” que contempla os cheiros característicos dos locais mais emblemáticos.
De facto, devido ao elevado grau de dificuldade e exigência científica desta temática, várias empresas estão a desenvolver projetos e acordos internacionais para salvaguardar a herança olfativa das civilizações, como é o caso da UNESCO, Odeuropa, International Flavors and Fragrances, Perfume Academy Foundation, entre outras.
De forma gradual, esta tendência começa a difundir-se por toda a cadeia de valor do setor do turismo, onde vários hotéis, companhias aéreas e operadores turísticos já incorporam aromas ambientais como uma ferramenta de branding, de modo a tornar os seus serviços e espaços mais apelativos.
As cadeias de hotéis Marriott, Sheraton e Hilton lançaram fragrâncias e kits de amenities exclusivos para os clientes usufruírem e guardarem como uma lembrança da sua estadia. Na Singapore Airlines é difundido o odor de rosas, lavanda e frutas cítricas nos aviões, sendo que a United Airlines escolheu a essência da casca de laranja e figos.
Portugal, como país de diversidade, quer seja pelas suas paisagens, cultura e gastronomia poderá oferecer um leque variado de experiências aliadas aos sentidos. Claúdia Camacho, conhecida como “The Fragrant Lady” desenvolveu uma trilogia de perfumes dedicada aos recursos e paisagens presentes em Sintra, estando, simultaneamente, a trabalhar numa rota olfativa que vai dar a conhecer o território português através dos aromas.
Deverá destacar-se, ainda, que a presente tendência, para além de estimular uma maior conexão entre o turista, o destino e a sua cultura, promove a inclusão, ao permitir um maior envolvimento de públicos com necessidades especiais.